12 de outubro de 2011

questão ontológica





I Coríntios 14:11 Ora, se eu não conheço a força da linguagem, serei como estrangeiro para aquele que fala, e aquele que fala será um estrangeiro para mim.


estrangeiro
extranjero
barbaro
barbare
étranger
barbarian
foreigner
barbarus
βάρβαρος


O termo grego βάρβαρος (bárbaro), que significa o não-grego, ganhou várias traduções nessa passagem bíblica. O estrangeiro, o bárbaro, se tornou aquele que não é, diferente de Deus (e sua descendência), que é aquele que é:


Êxodos 3:14 Deus disse a Moisés: "Eu sou Aquele que sou". E continuou: "Dirás assim aos filhos de Israel: 'Eu Sou enviou-me a vós'".


Nessa passagem do Êxodos aparece o YHWH, o nome impronunciável, "o nome", "Ele". Muitos defendem que Ele seja a constância, enquanto "o outro", "o cujo", "o coiso", o sem nome seja o oposto: o acontecimento, ou mesmo "o encontro". Tem quem defenda o contrário, que YHWH seja na verdade o movimento, o Verbo. Todavia, se não é, é aquele que será. O primeiro tem o nome impronunciável, por impotência nossa. O segundo ("o segundo") não deve ter seu nome pronunciado, mas para evitar riscos, quando do "encontro". Mesmo que seja um encontro pretendido, ao invocá-lo em benefício próprio à meia-noite na encruzilhada. Pois ele, em minúscula (a maiúscula é primazia do Pai) é o phármakon, o ambínguo, o "tinhoso" suplemento que se deve evitar. Ruim ficou para o bárbaro, o estrangeiro, o selvagem, o outro: caíram para o outro pólo, daquele "que não se diz o nome". Esses "nunca serão" nunca!, segundo o Capitão Nascimento.

E foi aí que a putaria começou a rolar no mundo.
No mundo.


YHWH é Javé, é Jeová, é Jah (hallelu Yah).
Na cabala é 26.
No jogo do bicho é Carneiro.


Ding ding ding ding ding ding di...

28 de setembro de 2011

sensação


Roxo, rosa, amêndoa, caqui
Olhos nos olhos na boca
no rosa, na moça, ali
Confusão no meio da rua:
vermelho piscando agora, aqui?

Beijo não pode agora
vambora, pra lá!
Meu bem, você tem
aconchego pra dar?
Mas é claro, meu bem
vem, pode vir
Vai sobrar

Água mais água mais água é vinho
Vinho, bordeaux, torradas e gregas
Colunas garrafas chilenas de um fosco
Laranja

Sabor forte e doce
De uma noite imperfeita
Vermelho anoitece
Verde amanhece
Limão

Belo é o contraste
Beleza é convulsão
ou não

19 de setembro de 2011

vaca profana


VACA PROFANA

Respeito muito minhas lágrimas
Mas ainda mais minha risada
Inscrevo, assim, minhas palavras
Na voz de uma mulher sagrada
Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da manada
Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da man...
Ê, ê, ê, ê, ê,
Dona das divinas tetas
Derrama o leite bom na minha cara
E o leite mau na cara dos caretas

Segue a "movida Madrileña"
Também te mata Barcelona
Napoli, Pino, Pi, Paus, Punks
Picassos movem-se por Londres
Bahia, onipresentemente
Rio e belíssimo horizonte
Bahia, onipresentemente
Rio e belíssimo horiz...
Ê, ê, ê, ê, ê,
Vaca de divinas tetas
La leche buena toda en mi garganta
La mala leche para los "puretas"

Quero que pinte um amor Bethânia
Stevie Wonder, andaluz
Como o que tive em Tel Aviv
Perto do mar, longe da cruz
Mas em composição cubista
Meu mundo Thelonius Monk`s blues
Mas em composição cubista
Meu mundo Thelonius Monk`s...
Ê, ê, ê, ê, ê,
Vaca das divinas tetas
Teu bom só para o oco, minha falta
E o resto inunde as almas dos caretas

Sou tímido e espalhafatoso
Torre traçada por Gaudi
São Paulo é como o mundo todo
No mundo, um grande amor perdi
Caretas de Paris e New York
Sem mágoas, estamos aí
Caretas de Paris e New York
Sem mágoas estamos a...
Ê, ê, ê, ê, ê,
Dona das divinas tetas
Quero teu leite todo em minha alma
Nada de leite mau para os caretas

Mas eu também sei ser careta
De perto, ninguém é normal
Às vezes, segue em linha reta
A vida, que é "meu bem, meu mal"
No mais, as "ramblas" do planeta
"Orchta de chufa, si us plau"
No mais, as "ramblas" do planeta
"Orchta de chufa, si us...
Ê, ê, ê, ê, ê,
Deusa de assombrosas tetas
Gotas de leite bom na minha cara
Chuva do mesmo bom sobre os caretas...

(composição: Caetano Veloso)

[essa versão da Gal é muito mais saborosa, entusiasta e sagrada do que a do Caetano. a Gal encarna uma verdadeira musa pagã aqui]

17 de setembro de 2011

saravá!


BERIMBAU

Quem é homem de bem
Não trai!
O amor que lhe quer
Seu bem!
Quem diz muito que vai
Não vai!
Assim como não vai
Não vem!...

Quem de dentro de si
Não sai!
Vai morrer sem amar
Ninguém!
O dinheiro de quem
Não dá
É o trabalho de quem
Não tem!
Capoeira que é bom
Não cai!
E se um dia ele cai
Cai bem!...

Capoeira me mandou
Dizer que já chegou
Chegou para lutar
Berimbau me confirmou
Vai ter briga de amor
Tristeza camará...

Se não tivesse o amor (2x)
Se não tivesse essa dor (2x)
E se não tivesse o sofrer (2x)
E se não tivesse o chorar (2x)
Melhor era tudo se acabar (2x)

Eu amei, amei demais
O que eu sofri por causa de amor ninguém sofreu
Eu chorei, perdi a paz
Mas o que eu sei é que ninguém nunca teve mais, mais do que eu

Capoeira me mandou
Dizer que já chegou
Chegou para lutar
Berimbau me confirmou
Vai ter briga de amor
Tristeza camará...

Hê! Hê! Camará!
Hê! Hê! Camará!
Hê! Hê! Camará!
Hê! Hê! Camará!

(composição: Toquinho)

CANTO DE OSSANHA

O homem que diz "dou"
Não dá!
Porque quem dá mesmo
Não diz!
O homem que diz "vou"
Não vai!
Porque quando foi
Já não quis!
O homem que diz "sou"
Não é!
Porque quem é mesmo "é"
Não sou!
O homem que diz "tou"
Não tá
Porque ninguém tá
Quando quer
Coitado do homem que cai
No canto de Ossanha
Traidor!
Coitado do homem que vai
Atrás de mandinga de amor...

Vai! Vai! Vai! Vai!
Não Vou!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Não Vou!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Não Vou!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Não Vou!...

Que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor
Que passou
Não!
Eu só vou se for prá ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor...

Amigo sinhô
Saravá
Xangô me mandou lhe dizer
Se é canto de Ossanha
Não vá!
Que muito vai se arrepender
Pergunte pr'o seu Orixá
O amor só é bom se doer
Pergunte pr'o seu Orixá
O amor só é bom se doer...

Vai! Vai! Vai! Vai!
Amar!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Sofrer!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Chorar!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Dizer!...

Que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor
Que passou
Não!
Eu só vou se for prá ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor...

Vai! Vai! Vai! Vai!
Amar!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Sofrer!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Chorar!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Dizer!...(2x)

(composição: Vinícius de Moraes)

29 de agosto de 2011

cláudio

_ De onde você é?

_ Cláudio.

_ Não, eu não estou perguntando o nome do seu pai, mas de onde você vem.

_ Foi o que eu disse. Sou de Cláudio.

Qual filho de Cláudio, essa pequena cidade do centro-oeste mineiro com seus 25 mil habitantes, nunca passou por uma situação parecida? Um estranhamento quanto ao nome do antigo vilarejo, que reza a lenda foi batizado em homenagem a um escravo que descobriu um ribeirão, o “Ribeirão do Cláudio”. Pouco depois tornou-se um distrito da cidade de Oliveira, o Distrito de Aparecida do Cláudio. E agora, em 30 de Agosto de 2011, comemoraremos os 100 anos de emancipação da nossa cidade: a cidade de Cláudio.

Desde então a cidade se desenvolveu bastante, tornando-se conhecida como o maior pólo fundiário da América Latina, concentrando uma grande quantidade de indústrias metalúrgicas que são a base da economia claudiense. A cidade apresentou um grande crescimento econômico nos últimos 10 anos, com um aumento de 76% da renda per capita da população, segundo dados do último censo. Mas esse dinheiro tem sido usado para quê, a não ser comprar automóveis?

Cláudio tem uma densidade automobilística alta, mas uma carência de atividades, principalmente para a juventude. Não moro em Cláudio há cerca de sete anos, e a impressão que eu tinha era como se houvesse transporte, mas não houvesse para onde ir. Exceto se você tivesse a possibilidade de um sítio, ou de ir a Divinópolis ou Belo Horizonte, não havia muito o que fazer. Parece-me que as coisas estão mudando, e eu soube a pouco tempo atrás que já houve um avanço muito grande, com a recente construção da Casa das Artes. Todavia eu creio que se pode fazer mais, como construir um Centro Cultural de qualidade, investimento substantivo em atividades culturais, como teatro, dança, música, ou mesmo cinema e também turismo ecológico. A cidade tem potencial para tanto, tem demanda dos jovens. E tem dinheiro.

Em matéria de cultura, Cláudio não deveria ser conhecida apenas como “a cidade dos apelidos”, como tantas vezes apareceu na mídia. Há muita gente talentosa por lá. Há muita gente que tem buscado educação e cultura nas redondezas, já que a cidade não oferece. Na minha época de adolescência, o máximo que tínhamos eram os velhos “bailes” no Automóvel Clube à noite, e os velhos encontros diurnos nas piscinas do mesmo Automóvel Clube, encontros um tanto quanto restritos, pois limitados aos sócios e seus amigos. Não sei se continua assim.

A cidade apresenta muitas possibilidades, pois como eu disse, há demanda – da parte dos jovens – e há recursos – da parte dos empresários e da prefeitura. Os jovens (e também os não tão jovens, mas principalmente esses) buscam por cultura, num sentido amplo. Buscam por bons lugares para sair à noite, onde encontrem mais do que bebida. Buscam por eventos culturais, por arte, por música, por dança, por teatro. Cláudio não é só “fundição” e apelidos. Temos uma bela e antiqüíssima festa de Congado, temos belas serras e belas matas, temos gente talentosa que canta, dança, pinta e escreve. E, um caso a parte, temos muita gente que joga – e bem – xadrez, aquele jogo visto por muitos como signo de inteligência.

Seria interessante que na comemoração desse centenário a cidade desse mais oportunidade aos seus filhos, mais acesso a esses bens imateriais. Como bom mineiro, Cláudio agora tem a faca e o queijo na mão.

28 de agosto de 2011

mineiridade

"O anseio de atingir a esquiva perfeição configura a chamada mineiridade."
Murilo Rubião

14 de agosto de 2011

domingo

Domingo, 15h, Centro de Belo Horizonte, Av. Afonso Pena após a "Feira Hippie".

13 de agosto de 2011

faces do céu



"Hipócritas, sabeis discernir
entre as faces do céu, e não
conheceis os sinais dos tempos?"
Mateus 16:3


um dia descerá do céu um urubu
ornamentado como um papa
com sua mitra colorida
fulva, azul, vermelha

não trará desgraças
nem bençãos
não julgará os ímpios
nem compensará os santos
não condenará os pecadores,
traidores, violentos, fraudadores
nem arrebatará os benevolentes,
os crentes, piedosos, temerosos e prudentes
nenhum deles terá purgação, paraíso ou punição
reino algum, eterno ou finito ou transcendente ou imanente

o reino será do urubu
urubu-rei
será ele a lei
que a tudo regerá
rá-rá-rá!

abrirão-se sete portas,
em cada porta sete símbolos
em cada símbolo um canteiro
de quatro mil flores
guardadas a sete chaves
penduradas no bico
de cinco aves
que esperam
por uma combinação
em claves
de dó,
de sol
de dia

quem quiser salvar a sua vida que a perca,
pois não pode me dar a China
o que já não o pode me dar
minh' alma
palavras do p(r)o(f)eta
com olhos
de urubu
uh, uh, uh!

madruvá
urubu
comerá

rá!rá!rá!

Vai! Vai! Vai! Vai! Vai! Vai! Vai! Vai! Vai! Vai!

Não vou!...

10 de agosto de 2011

azulão


AZULÃO

Vai Azulão
Azulão companheiro vai
Vai ver minha ingrata
Diz que sem ela
O sertão não é mais sertão
Ah, voa, Azulão
Azulão, companheiro vai...

8 de agosto de 2011

dança selvagem


Corta Jaca, Tango Brasileiro (C... por cimusfilms

"[...] Aqueles que deveriam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o corta-jaca à altura de uma instituição social. Mas o 'Corta-jaca', de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o 'Corta-jaca' é executado com todas as honras da música de Wagner, e não se quer que a consciência desse país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria!"

(Rui Barbosa proferiu essas palavras na tribuna do Senado, em 1911, para o então presidente Hermes da Fonseca. A "Águia de Haia" ficou chocada ao ver Nair de Teffé, mulher do presidente, tocar a música de Chiquinha Gonzaga ao violão em uma festa no Palácio do Catete, in WERNECK, Humberto, "Santo Sujo", p.52)

Praticamente o mesmo que seria dito pela Veja se a Dilma colocasse um funk pra tocar no Palácio da Alvorada.

la parole est volé

Não sei por que
lembrei-me dela
tão flor
tão bela

Não, não sei por que
foi só um pensamento
leve como o vento...

a de sempre


— Até beber cerveja ficou difícil — queixa-se.

— O preço?

— Não. A variedade. O
embaras du choix.

— Mas se você já estava acostumado com uma...

— E as novas que aparecem? Em cada Estado surge uma fábrica, se não surgem duas. Cada qual oferecendo diversas qualidades. Você senta no bar de sua eleição, um velho bar onde até as cadeiras conhecem o seu corpo, a sua maneira de sentar e de beber. Pede uma cervejinha, simplesmente. Não precisa dizer o nome. Aquela que há anos o garçom lhe traz sem necessidade de perguntar, pois há anos você optou por uma das duas marcas tradicionais, e daí não sai. Bem, você pede a cervejinha inominada, e o garçom não se mexe. Fica olhando pra sua cara, à espera de definição. Você olha para cara dele, como quem diz: Quê que há, rapaz? Então ele emite um som: Qual? Você pensa que não ouviu direito, franze a testa, num esforço de captação: qual o quê? Qual a marca, doutor? Temos essa, aquela, aquela outra, mais outra, e outra, e outras mais. . Desfia o rosário, e você de boca aberta: Como? Ele está pensando que eu vou beber elas todas? Acha que sou principiante em busca de aventura? Quer me gozar? Nada disso. O garçom explica, meio encabulado, que a casa dispõe de 12 marcas de cerveja nacional, fora as estrangeiras, sofisticadas, e ele tem ordem de cantar os nomes pra freguesia. Até pra mim, Leovigil? pergunto. Bem, o patrão disse que eu tenho de oferecer as marcas pra todo mundo, as novas cervejas têm de ser promovidas. Não mandou abrir exceção pra ninguém, eu é que, em atenção ao doutor, fiquei calado, esperando a dica... Não quis forçar a barra, desculpe.

— E aí?

— Aí eu disse que não havia o que desculpar, ordens são ordens e eu não sou de infringir regulamentos. Os regulamentos é que infringem a minha paz, freqüentemente. Mas para não dar o braço a torcer, nem me declarar vencido pela competição das cervejas, concluí: Leovigil, traga a de sempre.

— Não quis dizer o nome?

— Não. Minha marca de cerveja — "minha garrafa", digamos assim, pois a individualidade começa pela garrafa — passou a chamar-se "a de sempre". Não gosto de mudar as estruturas sem justa causa, nem me interessa dançar de provador de cerveja, entende?

— Mas que custa experimentar, homem de Deus?

— Só por experimentar, acho frívolo. Os moços, sim, não encontraram ainda sua definição, em matéria de cerveja e de entendimento do mundo. Saltam de uma para outra fruição, tomam pileques de ideologias coloridas, do vermelho ao negro, passando pelo róseo, pelo alaranjado e pelo furta-cor. Mas depois de certa idade, e de certa experiência de bebedor, você já sabe o que quer, ou antes, o que não quer. Principalmente o que não quer. E é isso que os outros querem que você queira. Tá compreendendo?

— Mais ou menos.

— Na verdade, não há muitas espécies de cerveja, no mundo das idéias. Mas os rótulos perturbam. Uns aparecem com mulher nua, insinuando que o gosto é mais capitoso. Bem, até agora não vi rótulo de cerveja mostrando mulher com tudo de fora, mas deve haver. Mulher se oferecendo está em tudo que é produto industrial, por que não estaria nos sistemas de organização social, como bonificação?

— Você está divagando.

— Estou. Divagar é uma forma de transformar pensamentos em nuvem ou em fumaça de cigarro, fazendo com que eles circulem por aí.

— Ou se percam.

— E se percam. Exatamente. 0 importante não é beber cerveja, é ter a ilusão de que nossa cerveja é a única que presta.

Sujeito mais conservador! Ou sábio, quem sabe?


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, em “De notícias & não notícias faz-se a crônica”, Livraria José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1974, pág. 137.

5 de agosto de 2011

HOME - Edward Sharpe & the Magnetics Zeros


[Her:]
Alabama, Arkansas,
I do love my ma and pa,
Not the way that I do love you.

[Him:]
Holy, Moley, me, oh my,
You're the apple of my eye,
Girl I've never loved one like you.

[Her:]
Man oh man you're my best friend,
I scream it to the nothingness,
There ain't nothing that I need.

[Him:]
Well, hot and heavy, pumpkin pie,
Chocolate candy, Jesus Christ,
Ain't nothing please me more than you.

[Both:]
Ahh Home. Let me come home
Home is wherever I'm with you.
Ahh Home. Let me go ho-oh-ome.
Home is wherever I'm with you.

La, la, la, la, take me home.
Mother, I'm coming home.

[Him:]
I'll follow you into the park,
Through the jungle through the dark,
Girl I never loved one like you.

[Her:]
Moats and boats and waterfalls,
Alley-ways and pay phone calls,
I've been everywhere with you.

[Him:]
We laugh until we think we'll die,
Barefoot on a summer night
Nothin' new is sweeter than with you

[Her:]
And in the streets you run afree,
Like it's only you and me,
Geeze, you're something to see.

[Both:]
Ahh Home. Let me go home.
Home is wherever I'm with you.
Ahh Home. Let me go ho-oh-ome.
Home is wherever I'm with you.

La, la, la, la, take me home.
Daddy, I'm coming home.

(Talking)
Him: Jade
Her: Alexander
Him: Do you remember that day you fell outta my window?
Her: I sure do, you came jumping out after me.
Him: Well, you fell on the concrete, nearly broke your ass, you were bleeding all over the place and I rushed you out to the hospital, you remember that?
Her: Yes I do.
Him: Well there's something I never told you about that night.
Her: What didn't you tell me?
Him: While you were sitting in the backseat smoking a cigarette you thought was gonna be your last, I was falling deep, deeply in love with you, and I never told you til just now.

[Both:]
Ahh Home. Let me go home.
Home is wherever I'm with you.
Ahh Home. Let me go ho-oh-ome.
Home is where I'm alone with you.

[Him:]
Home. Let me come home.
Home is wherever I'm with you.

[Her:]
Ahh home. Yes I am ho-oh-ome.
Home is when I'm alone with you.

[Her:]
Alabama, Arkansas,
I do love my ma and pa...
Moats and boats and waterfalls,
Alley-ways and pay phone calls...

[Both:]
Ahh Home. Let me go home.
Home is wherever I'm with you.
Ahh Home. Let me go ho-oh-ome.
Home is where I'm alone with you...

próximo ponto

trindade

Uma mulher para companheira,
Um amigo pra falar besteira,
Um emprego para pagar a feira.

Em nome do Pai,
do Filho
e do Espírito Santo.

Amém.

4 de agosto de 2011

olho vê, olho sente/ olho fala, olho mente


A fotografia, como toda arte, literatura ou antropologia se realiza como um processo de tradução. Sempre precário, sempre imperfeito. Sempre operando, por bricolagem e justaposição, a tentativa de dizer o indizível, o nebuloso, o maravilho, o incerto, o estranho e o inaudível. Um limar infinito, um trabalho de Sísifo. Maldição sedutora, tortuosa, esfuziante. Só o completa quem não se atém à completude. Sem Absoluto. Sem luto. Universos sem sóis, mas com estrelas brilhantes, luminosas, cintilantes. Só termina -- o interminável -- quem rumina o fragmento. Deve-se voltar ao campo -- à noite, de preferência!

3 de agosto de 2011

Strume&Drunk




"O verme perdoa o arado que o cortou."


Houve uma vez, palavra inaudita;

maldita. Post-scripta. Transcrita

ao pé do ouvido de um telefone sem fio,

Ao mesmo tempo cheio e vazio,

Constrito de frio,

Repleto de afeto,

Exagerado e discreto.


_ Quem foi você que ousaste gritar,

fazendo a terra tremer?

_ Quem foi você que ousaste abraçar,

meu corpo envolver?

_ Quem foi você que ousaste beijar,

puxando-me a ti, fenecer?


Phoder.


Fogo, fato, fogo, fato, fogo-fáátuo!

Amarelo, azul-turquesa.

Depois da morte toda beleza,

inclusive a marquesa,

vira estrume.


Como disse o príncipe louco:

O verme é o único imperador

Cevamos nós mesmos para as larvas

O rei e o mendigo são variações do menu


A

Mo

r

Te


Vai tomar no cu!

2 de agosto de 2011

Nº 13



Treize – j’eus un plaisir cruel de m’arreter sur ce nombre.* [Marcel Proust]

Le reploiment vierge du livre, encore, prête à un sacrifice dont saigna la tranche rouge des anciens tomes; l’introduction d’une arme, ou coupe-papier, pour établir la prise de possession.** [Stéphane Mallarmé]


I. Livros e putas podem-se levar para a cama.

II. Livros e putas entrecruzam o tempo. Dominam a noite como o dia e o dia como a noite.

III. Ao ver livros e putas ninguém diz que os dois minutos lhe são preciosos. Mas quem se deixa envolver mais de perto com eles, só então nota como têm pressa. Fazem contas, enquanto afundamos neles.

IV. Livros e putas têm entre si, desde sempre, um amor infeliz.

V. Livros e putas – cada um deles tem sua espécie de homens que vivem deles e os atormentam. Os livros, os críticos.

VI. Livros e putas em casa públicas – para estudantes.

VII. Livros e putas – raramente vê seu fim alguém que os possuiu. Costumam desaparecer antes de perecer.

VIII. Livros e putas contam tão de bom grado e tão mentirosamente como se tornaram o que são. Na verdade eles próprios muitas vezes nem o notam. Ano a fio alguém vai-se entregando a tudo “por amor” e um dia está lá como corpusbem corpóreo, na ronda das calçadas, aquilo que “para fins de estudo” sempre pairava somente acima delas.

IX. Livros e putas gostam de voltar as costas quando se expõem.

X. Livros e putas remoçam muito.

XI. Livros e putas – “Velha beata – jovem devassa”. Quantos livros não foram mal reputador, nos quais hoje a juventude deve aprender.

XII. Livros e putas trazem suas rixas diante das pessoas.

XIII. Livros e putas – notas de rodapé são para uns o que são, para as outras, notas de dinheiro na meia.

* “Treze – tive um prazer cruel em deter-me nesse número.”

** “O redobramento virgem do livro, ainda, presta-se a um sacrifício de que sangra o corte vermelho do antigos tomos; a introdução de uma arma, ou corta-papel, para estabelecer a tomada de posse.”

(Benjamin, W. Rua de mão única. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004, p. 33-34.)

1 de agosto de 2011

amar (é um) elo


"O ato mais sublime consiste em pôr alguém antes de si."

O rio da posse

Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que nunca se definem, e são, um e outro, ninguéns.

Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo. O homem que sonha em cada homem que age, se tantas vezes se malquista com o homem que age, como não se malquistará com o homem que age e o homem que sonha no Outro?

Somos forças porque somos vidas. Cada um de nós tende para si próprio com escala pelos outros. Se temos por nós mesmos o respeito de nos acharmos interessantes, [...]. Toda a aproximação é um conflito. O outro é sempre o obstáculo para quem procura. Só quem não procura é feliz; porque só quem não busca, encontra, visto que quem não procura já tem, e já ter, seja o que for, é ser feliz, como não pensar é a parte melhor de ser rico.

Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta, e já nos desavimos antes de existires. O meu hábito de sonhar claro dá-me uma noção justa da realidade. Quem sonha demais precisa de dar realidade ao sonho. Quem dá realidade ao sonho tem que dar ao sonho o equilíbrio da realidade. Quem dá ao sonho o equilíbrio da realidade, sofre da realidade de sonhar tanto como da realidade da vida (e do irreal do sonho com o sentir a vida irreal).

Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos.

O amor perde identidade na diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que se torna seu e não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia os amores todos que são os absurdiandos do amor.

No terraço antigo do palácio, alçado sobre o mar, meditaremos em silêncio a diferença entre nós. Eu era príncipe e tu princesa, no terraço à beira do mar. O nosso amor nascera do nosso encontro, como a beleza se criou do encontro da lua com as águas.

O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente?

O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.

Metafísico. Mas toda a vida é uma metafísica às escuras com um rumor de deuses e o desconhecimento da rota como única via.

A pior astúcia comigo da minha decadência é o meu amor à saúde e à claridade. Achei sempre que um corpo belo e o ritmo feliz de um andar jovem tinham mais competência no mundo que todos os sonhos que há em mim. É com uma alegria da velhice pelo espírito que sigo às vezes – sem inveja nem desejo – os pares casuais que a tarde junta e caminham braço com braço para a consciência inconsciente da juventude. Gozo-os como gozo uma verdade, sem que pense se me diz ou não respeito. Se os comparo a mim, continuo gozando-os, mas como quem goza uma verdade que o fere, juntando à dor da ferida a consciência de ter compreendido os deuses.

Sou o contrário dos espiritualistas simbolistas para quem todo o ser, e todo o acontecimento, é a sombra de uma realidade de que é a sombra apenas. Cada coisa, para mim, é, em vez de um ponto de chegada, um ponto de partida. Para o ocultista tudo acaba em tudo; tudo começa em tudo, para mim.

Procedo, como eles, por analogia e sugestão, mas o jardim pequeno que lhes sugere a ordem e a beleza da alma, a mim não lembra mais que o jardim maior onde possa ser, longe dos homens, feliz a vida que o não pode ser. Cada coisa sugere-me não a realidade de que é a sombra, mas a realidade para que é o caminho.

O jardim da Estrela, à tarde, é para mim a sugestão de um parque antigo, nos séculos antes do descontentamento da alma.

(Bernardo Soares -- LIVRO DO DESASSOSSEGO)

31 de julho de 2011

Exu-berância

"He who desires but acts not, breeds pestilence."

30 de julho de 2011

Enough! Or Too much

“You never know what is enough unless you know what is more than enough."

29 de julho de 2011

Prudence is a rich ugly old maid courted by Incapacity

21 de julho – quinta-feira

São 18:20h e decido pegar o ônibus que sai às 19:30h para a cidade de Setubinha, situada no Vale do Mucuri, norte de Minas Gerais. Soube disso há 15 minutos atrás, quando imaginava que hoje é que iríamos nos organizar para viajar amanhã. Se não vou agora terei que embarcar amanhã às 5:30h e viajar durante 10h, inviabilizando o trabalho na sexta-feira. Pego um taxi para casa e arrumo a mala em meia hora. Uma calça, uma blusa, cinco pares de meia, seis cuecas e sete camisas, além de chinelo, toalha, nécessaire e um livro. Os últimos sobraram (levei dois livros pequenos e mal cheguei a abrir um) e os primeiros não bastaram (cheguei a comprar uma blusa na viagem). A previsão do tempo dizia que a temperatura era relativamente alta para um dia de inverno (mais elevada do que em BH), sem chuva e eu imaginei que o tempo seco seria ainda mais seco por lá. Descobri ainda no ônibus que uma blusa só seria insuficiente, pois venta muito à noite. No domingo choveu, a poeira das estradas de terra que teríamos que passar se transformou em lama e tivemos que comprar guarda-chuva e capas de chuva.

Chego à rodoviária e compro o último bilhete para Setubinha, faltando 20 minutos para a viagem. No fim deu certo. Eu e Laurinha conversamos bastante durante o translado. Faculdade, emprego, vida, absurdos. Foi ela quem nos informou que havia passagem direto para Setubinha, dizendo que iria embarcar hoje – André, o outro pesquisador, mais tranqüilo, deixou para ir amanhã. Já passa de meia-noite e ela dorme. Eu sinto frio. Subestimei a temperatura e carrego só um insuficiente casaco comigo. Chegamos em Setubinha por volta de 5:30h e um conhecido de Laura está à sua espera. Pêgo de surpresa e um pouco constrangido aceito o convite para tirar um cochilo na casa de Niltinho, que foi quem nos recebeu durante toda a estadia.

22 de julho - sexta-feira

Acordo por volta das 10h. Café da manhã: café fraco e açucarado, biscoito de polvilho, pão com manteiga. André, o terceiro pesquisador, chegará por volta das 15h. Ele embarcou hoje cedo. Preciso arrumar as coisas e me organizar para sair a campo.

Dona Aparecida – ou Tia Aparecida, como todos, inclusive Laura, a chamam – estará sempre conosco no café da manhã e no café da tarde, quando chegamos. Ela é vizinha e agregada da casa, talvez parenta de alguma forma. Por aqui os laços de parentesco por afinidade são tão ou mais forte do que por consangüinidade. Laura tenta me explicar um pouco a relação dela com Niltinho e Lena (moça que trabalha na casa de Laura), mas não me esforço para compreender. Tia Aparecida nos convida para a “Festa do Ausente” que acontecerá no próximo final de semana, em que todos os setubinhenses ausentes estarão presentes.

Ao meio-dia, depois de passar na prefeitura, conseguimos arranjar uma Kombi que nos levará a comunidade de Quaresma (ou “Coresma”, como é mais comum ouvir por lá), localidade atendida pelo Programa Travessia, que foi quem encomendou a pesquisa à Universidade. Vinte minutos depois chegamos a essa comunidade onde moram cerca de 300 pessoas, segundo nos informou Márcio, morador que nos guiou pelo local. Ele é uma referência para os moradores por lá, pois trabalha no posto de saúde e tem um pouco mais de instrução. Ao lado do posto há uma escola, uma capela e alguns trechos de rua pavimentada com blocos hexagonais. As pessoas não têm endereço e não há comércio no local, exceto por uma pequena vendinha, que vende biscoitos, bolachas, refrigerante, mas principalmente cachaça e conhaque. A Coca-Cola ainda não chegou por lá. O único refrigerante é Schin. Apesar disso, ficamos sem almoço nesse primeiro dia.

Fiquei comovido com Dona Maria, casada com Santo, mulher de 32 anos que mais aparentavam 60. Como muitas outras Marias, mãe de sete filhos. Seriam oito, se um não morresse ano passado antes de completar um ano de vida. Morreu porque “não tratou”, foi o que ela conseguiu explicar.

Encantei-me com dona Irene, também mãe de sete crianças e que ainda conserva no lote em que mora a antiga casinha de taipa de um único cômodo em que moravam ela, o marido e os filhos. Gostaria de tê-la fotografado sentada no fogão a lenha, com sua saia vermelha e blusa verde, aparentando, como todas as mulheres daquele lugar, muito mais idade do que diz a certidão de nascimento. Na sua singeleza maternal atendia à sua filha Adelaide, de apenas 3 anos, famigerada e atrevida, cedendo-lhe o peito para mamar. Uma cena ao mesmo tempo meiga e selvagem.

A noite começa a cair e eu Laura estamos voltando do campo. Ficamos preocupados com André, que de acordo com o previsto chegaria por volta de 17h. Passamos no guichê da Saritur (empresa que faz a linha Belo Horizonte – Novo Cruzeiro, passando por Setubinha) e perguntamos se não desceu alguém com as descrições de nosso colega. A moça diz que sim, que o rapaz desceu, comprou uma passagem e embarcou para Novo Cruzeiro, o ponto final. Estranhamos. Por que ele iria descer e comparar uma passagem para completar o percurso? Seria mesmo ele? A mulher não teria se enganado? Na casa de Niltinho tomamos um banho e saímos para jantar no único lugar que serve jantar, a pousada de Dona Margarida. No caminho encontramos André, que finalmente chega. Era ele mesmo que a mulher vira re-embarcando. Ele nos explica que continuou a viagem para poder sacar dinheiro lá, já que em Setubinha não era possível (descobriremos mais tarde que nem ele nem Laura sacaram o suficiente; por sorte eu trazia comigo todo dinheiro destinado a nossa ajuda de custo). Hoje é sexta-feira, mas devido ao trabalho parece que é segunda.

Depois do jantar passamos em um barzinho perto da igreja, onde alguns locais jogavam sinuca, para ver se encontrávamos a famosa pinga “cambão”, que Niltinho nos recomendara. Ele bebia todo dia, era alcoólatra, simpático, hospitaleiro, pai de mais de cinco filhos (com mulheres diferentes) e apaixonado por política, sendo cabo eleitoral do atual prefeito. No bar nos encontramos com Rogério, que conhecêramos mais cedo – ele tinha algum grau de parentesco com Lena, eu acho.

Fim da noite. Acolhida na casa colorida.

23 de julho – sábado

O plano era sairmos às 8h, mas eu acordei 8:20h. Laurinha também dormiu um pouco mais que a cama. Só o André, que chegou ontem e essa noite dormiu na pousada, acordou no horário.

Meu intestino me prega peças. Pouco antes de sairmos hoje de manhã uso o banheiro e a privada quase entope, devido ao volume de papel. Não havia cesto e a caixa de descarga, daquelas em que se puxa uma cordinha, me força a aguardar um loading para a segunda tentativa. Como demoro, o fantasma do inevitável bate à porta. Estávamos com pressa para sair e, para não atrasar, não tenho outra escolha a não ser sair em silêncio. Sentirei-me constrangido e envergonhado todo o resto do dia. A coisa se resolverá no dia seguinte, quando é a vez de André cair na armadilha. Ele pelo menos revelará que a fatalidade, impedindo mais vítimas.

Chegamos em Quaresma por volta de 9:30h. Depois de realizarmos uma entrevista no “centro”, segui um senhor que me indicou alguns nomes da lista de entrevistados da amostra. Caminhei na estrada de terra por cerca de trinta minutos. Casas afastadas, por entre as montanhas. Seu Mário e D. Eva, pacatos e religiosos; D. Olícia, a filha e o sobrinho, alegres e risonhos entre gatos, porcos e repolho para o almoço; Seu Anselmo e o silêncio de seus 76 anos, acompanhado docemente pela esposa trinta anos mais nova – uma serenidade que beira o esquecimento, um cuidado que beira a maternidade; D. Roseli-Roselia (o nome Roselia, errado, era o que constava na nossa lista, sendo Roseli o correto), despenteada e gutural, mal conseguindo compreender as perguntas enquanto seu filho de 4 anos brandia o facão na bananeira – ela, desesperada, se preocupava mais com a bananeira do que com o filho.

Volto para a vendinha, nosso ponto de referência, por volta das 16h e pego minha marmita. Meia hora depois meu intestino grita um segundo chamado da natureza. Paro. Penso. Resisto. Não poderei evitar. Minha sorte é que os banheiros, recentemente construídos pelo Travessia, são externos às casas. Saio correndo em direção ao banheiro ao lado da venda, largando meus papeis e a bolsa ao relento na paraça. Meu azar é que não há papel. Os guardanapos que costumo guardar no bolso foram de extrema valia agora.

São 17h e espero sozinho, escrevendo, a Kombi que nos levará de volta à Setubinha. Também espero por meus colegas e suas histórias. Gostaria de tomar um banho.

À noite ficamos sabendo que Amy Winehouse morreu, aos 27 anos. Kurt Cobain, Jim Morrison, Noel Rosa e outros grandes poetas também não chegaram aos 30. Cazuza morreu aos 31 e Renato Russo aos 35. Raul Seixas agüentou um pouco mais, mas não chegando aos 50 anos. Parece-me que todo grande homem realiza sua grande obra entre os 20 e os 30 anos. A época mais fértil, explosiva: o ápice da ousadia e do êxtase acontecem na década de 20. Depois disso, a eternidade ou a decadência. A glória ou o ostracismo. Quem não morre e permanece vivo corre o risco de viver esquecido como se estivesse morto.

Jantamos como de costume e na saída encontramos o pessoal do Cidadão Universitário, um projeto do estado em conjunto coma algumas universidades. Os alunos permanecem alguns dias realizando atividades, ajudando na solução e problemas e conhecendo os moradores das regiões mais pobres de Minas. Eles nos convidaram para ir a um barzinho onde se encontrava o resto do grupo, tomando cerveja e dançando numa pista ponde dezenas de raios verdes e vermelhos ziguezagueavam freneticamente. Tomo um conhaque, converso um pouco com o pessoal. Um deles, carioca, diz que nós três aparentamos típicos moradores da Lapa, no Rio de Janeiro, por causa da vestimenta. Deve ser o figurino Fafich, Cult, Indie, “Alternativo” e Tilelê. Tinha um pouco de tudo em nós. A conversa não flui, ao menos da minha parte. Sinto que estou amargo, sem muita paciência para com as pessoas e sem compartilhar desse entusiasmo samaritano. Por outro lado, sinto-me assediado por aquele traiçoeiro infante, filho de Afrodite. Receio que esse caldo possa fermentar e apodrecer, azedar, se conheço bem o estado em que me encontro.

24 de julho – domingo

Hoje fomos para Santa Rita, a ponta da ponta de Quaresma. Um lugar afastado, longe para se chegar a pé e difícil para se chegar de carro. Tivemos que arrumar uma moto que nos levasse. Ontem arrependi-me de não ter trazido a câmera fotográfica, para evitar o transtorno de carregar a bolsa. Então hoje fiz diferente.

Não esquecerei do clima florido da casa de Seu Vânio, onde cheguei recebido por seus seis ou sete filhos. O casal não estava em casa e preferi não entrar, apesar da chuva e da insistência das crianças. Aguardo sob um teto de palha, sustentado por troncos e madeira, ao lado da casa. Pouco depois chega Laurinha e me faz companhia. Logo em seguida o casal de lavradores chega e pela primeira vez me é ofertado um café na entrevista, que deixo a encargo da minha colega. Enquanto ela faz as perguntas para Seu Vânio, me deixo encantar pelas crianças em volta, risonhas e tímidas, chupando cana e se escondendo tal qual “bicho do mato”. Tirei algumas fotos e me arrependi de não ter tirado mais, do casal e da família inteira. Os meninos riem e eu rio com eles. Peço um pedaço de cana para chupar, para lembrar da infância, de quando meu avô descascava cana para mim e eu desconhecia que ele era quem é. A mulher me traz um pedaço enorme e um facão. Não passo vergonha e consigo descascar.

Pouco antes, numa entrevista à casa mais longe de Santa Rita, que foi por onde comecei, o sujeito que me levou, Márcio, também entrou para cumprimentar os moradores, já que os conhece. Uma menina apareceu e pediu-lhe “bênção”, ou simplesmente “bença”, como dizem. Também conservo esse costume até hoje e peço benção à minha mãe, minha avó e meus tios, quando os vejo e quando me despeço deles. Surpreendi-me quando logo em seguida a menina pediu “benção” a mim também. Quem sou eu para intermediar alguma benção para alguém? Além do ceticismo, não me acho minimamente louvável ou digno em qualquer aspecto. Não tive escolha senão dizer como de costume, “Deus te abençoe”. Senti-me vergonhosamente nobre.

Depois da entrevista aproveitamos uma breve estiagem e seguimos. Aguardo nossa carona na casa de Seu José Geraldo, que não faz parte da nossa amostra e não tem energia elétrica. Ele me conta as brigas por causa de terra, o trabalho nas fazendas de café, fala sobre política e sobre a vida sofrida.

Ao chegar na casa de Niltinho ele está de saída e me chama para tomar um gole de cachaça. Aceito o convite enquanto os outros vão tomar banho e tirar o barro dos sapatos. Bebo duas doses da cachaça local que já me deixam alto. Ele bebe conhaque Presidente. Como o tira-gosto de hambúrguer frito com bacon que nos é servido e já me levanto para ir embora. Apesar da insistência, Niltinho não me deixa pagar a conta.

25 de julho – segunda-feira

Essa noite sonhei com Laurinha. Estávamos numa festa e ela demonstrava desejo de ficar comigo. Nos retiramos para um canto e transamos. Meu inconsciente projetou meu desejo na figura dela. Vaidade ou insegurança da minha parte?

Acordamos às 7:15h e tomamos café, eu e André. Tia Aparecida acorda e passa um café com açúcar, dispensando o que havíamos feito sem. Todo aquele açúcar estava me dando refluxo, além dos problemas que eu poderia ter por causa da diabetes. Por isso, a partir de hoje, como acordamos primeiro todo dia fazemos sem. A cada dia que passa as pessoas se tornam mais simpáticas, entediantes e maçantes.

Como amanheceu chovendo e eu só trouxe uma blusa, saio para comparar alguns itens necessários. Guarda-chuvas e capas de chuva, para nós três. Uma blusa para mim. Não encontro nada barato. Ou algo muito fino e colorido, por R$ 25 ou um moletom com capuz, por R$ 50. Opto pelo segundo. Também compro anti-gripais e um pacote de bolachas para mim. No caminho do campo, fico pensando se estou arrependido ou não de ter pago o que paguei pela blusa. O preço do conforto.

Chuva e barro. Hoje começamos as entrevistas do grupo de controle. Como nossas primeiras opções ficaram de difícil acesso devido à chuva, chegamos num acordo que o melhor seria ir para Cabaceiras, comunidade a beira da estrada entre Setubinha e Novo Cruzeiro. Fomos eu e Laura, enquanto André seguiu para Quaresma a fim de terminar o grupo da amostra. Minhas costas doem devido à antiga má postura e às entrevistas que eu faço sentado, sem encosto e curvado.

O lugar é feio. As pessoas além de analfabetas são ignorantes e não têm banheiro. Ter banheiro é um sinal de civilização, assim como ter sapato, coisa que tampouco têm. Algumas mulheres de chinelo, alguns homens de botina. As pessoas parecem falar uma outra língua, não entendem, respondem pelo dever de responder, querem responder “certo”, divagam, fazem digressões, não entendem as malditas dupla-negativas de algumas perguntas, o que por sua vez é uma falha do questionário, já que se trata de gente simples. Apesar disso, Laurinha diz que encontrou pessoas que apesar do pouco vocabulário sabem se expressar bem, poetizam a seu modo. Sinto-me amargo como nosso café e uma tristeza fininha como a chuva começa a me molhar. Perguntaram-me hoje, depois de uma entrevista, se eu poderia ajudá-los. Isso me mortificou. Não posso. Apenas pergunto. Não sou ninguém ali, além de um perguntador, quase um agente do Estado. Todavia impotente, apesar do crachá e a cara de moço da cidade, moço do governo. Sugo informações e por vezes sorvo café. Sinto-me cada vez mais cansado. Sinto-me como Oxalá, curvado, apoiando-se em seu bastão. Compreensão, paz e morte.

A cachaça destrói as pessoas no campo, como seu Zé Lopes, que vive embriagado e inconvenientemente insiste em abraçar as pessoas. Hoje a tristeza procria. Quando chegamos em casa, Niltinho nos conta comovido a história de seu filho que morreu aos 19 anos, vítima de uma dengue hemorrágica mal diagnosticada. A cachaça parece ser seu remédio e sua pena.

Também lembrei-me de meu pai, que não bebia, mas morou na “grota” em sua infância. “Grota” é como se chama o lugar, muitas vezes escondido entre as árvores e perto do rio. Ele e meus avós também não tinham endereço naquela época. O tabaco foi a sua desgraça e sua alegria, assim como o foi para o pai dele, assim como o é para mim. Assim como a cachaça para outros. A “luita” desse povo da “grota” na suas casas de “adobro”. A vida. A morte.

Se a sexta-feira parecia segunda, a segunda parece sábado. Depois do jantar decidimos passar na escola, onde o pessoal do Cidadão Universitário está hospedado. Eles estão realizando uma festa hoje, com churrasco e tudo o mais. Chegamos lá e ficamos na pequena pista de dança formada na quadra. Oferecem-nos cerveja. Bebemos. Dançamos. André sugere tocar um tributo à Amy. Laurinha vai conversar com o DJ. A música não agradou ao pessoal, que segue ao ritmo do forró, funk, axé e outras músicas dançantes. Vou à cantina e preparo um rum com coca-cola e limão para mim. Laurinha comenta que tenho fumado demais e que até Niltinho já comentara. Eu concordo. Tenho bebido demais também. Não consigo ficar com as pessoas – e menos ainda comigo mesmo. Conversamos os três pesquisadores sobre nossas memórias, nossas vivências. Vida, sonhos, sexo. Laurinha nos conta seu sonho, que a perturbou. Não ouso contar o meu. Ridículo.

26 de julho - terça-feira

Ressaca. Acordamos pouco depois das 8h. Depois do café, saio à rua para comparar água de côco e mais anti-gripais para ajudar na dor de cabeça. Tomo dois e depois mais um.

Povo ignorante esse de Cabaceiras. Exceto Seu Manoel, que recebeu o estrangeiro. Ele também me convidou para o almoço, que aceitei. Caiu em boa hora, já que no final da entrevista eu já sentia minha glicose baixar e temi uma crise hipoglicêmica. Conversamos, bati fotos dele e da esposa, das crianças com roupas de cores vivas sentadas no fogão à lenha enquanto a chuva caia. Terminado o almoço eu aceito o café, para “tirar o sal da boca” como diz Seu Manoel. Hoje um dos moradores recusou a entrevista, pouco depois de a iniciarmos. Entrevistava o velho, ao lado de sua senhora e da filha com as crianças, todos à minha volta na sala. Em certo momento, a filha, que já havia me recebido de cara séria, disse “Não é para respondê não”. “O quê?”, indago sem entender se era isso mesmo que eu ouvira. O velho voltou a dizer a mesma coisa. Todos sérios e ressabiados. Volto a explicar o intuito da entrevista, releio a carta. “O sargento falou na rádio que não era para nóis respondê não”. Não insisto. Agradeço e digo que estão certos, eles estão no direito deles. Rumo para outra casa e pouco antes de terminar vem uma menininha, neta do senhor que recusou, dizendo “Meu avô pediu para o senhor voltar lá, que ele vai responder”. Eu digo que depois eu vou – mas não iria. É aí então que me dou conta das coisas: 1) eu estava de óculos escuros por causa do sol e esqueci de tirá-los ao me apresentar; 2) cheguei perguntando se eles sabiam onde havia casas com casais sem filhos ou moradores só, a fim de cumprir nossa cota. Tudo isso deve ter levantado muitas suspeitas. Encontro Laurinha e peço a ela para entrevistar o sujeito.

São 19h e em frente ao fogão a lenha – lareira do camponês – de Niltinho relembro vários momentos da minha infância. De novo as histórias de meu pai sobre a “grota”. Momentos da infância passados na roça. Brincadeiras com minha irmã: fazer barraca na sala, brincar de lego, de vendinha, ouvir discos infantis na casa da minha avó e interpretar espontaneamente as músicas. “Farofa-fá” é a que mais me recordo. Guerra de laranja podre com os primos. Guerra de brita com os amigos.

Hoje será nossa última noite. Finalmente comparamos a cachaça de “Cambão”, por R$ 5 o litro. Dois litros para mim, dois para André e quatro para Laura. Seguimos para a pousada de Dona Margarida e encontramos os Cidadãos Universitários confraternizando. Sentamos com eles na longa mesa, a comer pizza e beber cerveja. Selmo, funcionário da Copanor (a companhia de abastecimento de água de lá) que certo dia nos deu carona, conta a Laura sobre o problema da água em Cabaceiras. Segundo ele é chover e contar três dias que todos estão no posto de saúde, pois não respeitam o espaço mínimo entre as fossas e as cisternas, entre a água e a merda. “É chover e contar: um, dois, três. Todo mundo no posto de saúde. Vocês não beberam água lá não, né?”. Por sorte, não.

São 22:45h e já estou embriagado. O álcool faz aflorar a maldita carência. Meu intuito de uma vida celibatária não passa de uma vontade fraca. Laura nesses dias me aparece como uma flor: algumas vezes viva e exuberante, pronta para colher; em outras como pertencente a um jardim distante, que não é meu, passível apenas de admiração e talvez cuidado, quando há oportunidade. De todo modo uma flor impossível de colher. Nas minhas últimas experiências tenho vivenciado o amor, num sentido amplo, como cuidado. Amar, na sua plenitude e candidez, é também, mas não só, cuidar. Logo vejo que não me amo, já que não me cuido. Isso não é novidade para mim. O que me desagrada é que jamais aceitarei a solidão da forma como gostaria.


O varal da vida

A roupa desbotada

Mal lavada

Colorida


Pendurado sob o sol

Estirado na chuva

Estendido além da morte,

da criança e da viúva


Vida desgraçada e colorida

Desbotada e sofrida

O varal da vida é um espelho

Amarelo, azul e vermelho


27 de julho - quarta-feira

A ressaca hoje foi ainda maior. Mais água de côco e analgésico. Último dia. Já estou cansado, talvez não exatamente daqui, mas da nossa rotina de entrevistadores da pobreza. Hoje sairemos para a comunidade de Palmeiras, que fica ao lado da estrada que segue para Novo Cruzeiro, depois de Cabaceiras.

Fico comovido com dona Josefa, mãe de sete filhos. Alguns na verdade são netos e há uma que biologicamente não é dela, mas ela o acolheu no abandono – mas são todos filhos, de acordo com ela. Ao longo da entrevista ela chorou ao relembrar os períodos em que não teve nada para comer, nada para oferecer às crianças. Guarda com tristeza a frustração de ter vendido o voto (prática comum em qualquer cidade pequena) em troco de um emprego de doméstica que nunca se realizou. Sobrevivem do Bolsa Família, cerca de R$ 20 por mês para cada um. Fora isso, doações do dono da pousada, que segundo ela é um pai, um irmão. Terminado o choro, prossigo com a entrevista.

Almoçamos na pousada de Seu Tonão, torcedor do Palmeiras, que nos mostra várias peças antigas, como uma telha de 1931, “de quando as pessoas ainda pintavam com o dedo”, referindo-se à data gravada a dedo no barro; um cabide para guardar chapéus, de madeira, talhado a mão; um pedaço de arame farpado composto de três grossos fios, ao contrário dos frágeis que temos hoje. Antigamente, segundo ele, tanto os bois como os homens eram mais fortes. Hoje todos se corromperam.

Fico conhecendo um casal de negros, velhinhos, que moram numa casa de taipa. Quase não conseguem conversar. Ele, com o pé machucado, mal sabe seu nome. Lembra-se que é um nome bonito. A mulher traz a carteira de identidade e leio “Vicente Vital”. É sonoro. A esposa, que é quem responde a entrevista, chama-se “Eva”. O documento não traz o nome do pai. Vivem da ajuda dos vizinhos e de um mísero dinheiro que conseguem na época da colheita de café. Pergunto a ela se eles têm alguma coisa para comer em casa. Ela, do alto da sua dignidade, diz que sim. Durante a entrevista um vizinho deixa um saco de batatas e pede para o homem capinar um lote depois. Outro vizinho vai me confirmar a penúria em que vivem. “Pai, por que me abandonaste?”, questionou Jesus na cruz. Dona Eva e Seu Vicente, imagino eu, nunca questionaram. Como muitos outros, vivem a vida que a sorte lhes destinou.

Exercitando algum cristianismo que me resta, amadureço uma caridade que queria ter feito a Dona Josefa, mas cujo alvo é o casal de velhinhos da casa de taipa. Vou a venda e compro alguns mantimentos, como arroz, feijão, macarrão, óleo, açúcar e até café e biscoitos.

A Kombi ficou de nos pegar por volta das 17h. Espero sozinho na estrada. Já são 17:30h e o ônibus que vai nos levar à Belo Horizonte e para o qual já comparamos as passagens já passou com destino a Novo Cruzeiro. Ele vai voltar, passando em Setubinha às 19:30h. São 18h. André já apareceu mas Laurinha ainda não. A nossa condução já chegou, mas ela não. O motorista diz q vai então resolver outros assuntos e em 15 minutos volta. Começamos a ficar ansiosos e preocupados. Eu mais do que André, e acho que acabo influenciando a preocupação dele também. Ele é um sujeito calmo e nem vai embora hoje. Saímos correndo às 18:30h, tomamos um banho, mal nos despedimos. Mal agradecemos a enorme hospitalidade. Se bem que conseguimos entregar algumas fotos num porta retrato que Laurinha conseguiu comparar em Novo Cruzeiro, onde imprimiu as fotos. Corremos para pegar o ônibus. Ainda esperamos uns 10 minutos até ele chegar.

Dessa vez não passarei frio, pois vou com duas blusas. Na viagem eu e Laurinha falamos sobre as nossas famílias e alguns sujeitos singulares, pro bem ou pro mal, que todo mundo tem na sua. Já é meia-noite e ela dorme, enquanto eu ainda estou acordado. Vejo-a mexer e pergunto se está tudo bem. Ela não entende e falo mais perto. Ela volta a não entender e roubo-lhe um beijo, rápido e singelo. Ela volta a dormir. Eu volto a sonhar.

28 de julho – quinta-feira

Chegamos em Belo Horizonte pouco depois de 5h da manhã. Cada um pegou um taxi e seguiu para sua casa. Dormi e acordei achando que era sexta-feira, quando na verdade era quinta. Volto para minha vida langorosa e sem sabor, sem mal saber o que me aguardava no dia seguinte.

"O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria", disse o poeta. Amém.