17 de dezembro de 2012

o rato é o hiato do gato

o rato tem atração pelo incerto
(disse o horóscopo chinês)

9 de dezembro de 2012

santé!


E onde está a sanidade dessa vida santa? Onde está a santidade dessa vida insana? Onde está a terra santa desse povo ébrio -- embriagado no opróbrio diário, na própria lama! -- que insone se cansa? Não aprenderam que a vida é uma dança, uma corda fina, de bailarina? o fio de ariadne que guiou teseu, que todavia a perdeu para dionísio satírico, o touro a bailar.

A vida é o touro pelos chifres

(des chiffres d´or...)
em sacrifício

Santé!
(porque todos os dedos apontam para o céu)

22 de novembro de 2012

Arre!

a rede
enreda
em renda

13 de novembro de 2012

l´événement


Hoje aconteceu muita coisa. Errei o ponto de ônibus, fui buscar a carteira de trabalho, vi um preso chegando ao hospital e casais no parque municipal, vi meu ex-chefe com a mão quebrada e caminhos que há tempos não fazia. Acho que é porque eu sai de casa. Quando a gente sai, coisas acontecem. Encontrá-la, por exemplo. Aconteceu. Inesperadamente, como é de aconteceres. Tive vontade de perguntar a ela o que aconteceu. Ao mesmo tempo, temi que a resposta seria "não aconteceu nada" (porque o nada também acontece). Então segui, me perguntando se tudo começou naquela flor, que também aconteceu, que não pedia nada e queria somente acontecer. E pensei: "talvez... essas coisas acontecem."

31 de outubro de 2012

amanheceu

Depois da tempestade
o dia amanheceu à passarinho
em busca de azul

Ainda há risco de chuva
(disse a meteorologia)
mas tento não me preocupar
em molhar

As flores gostam d´água
além de alegrar o dia
tal qual a flor
de maracujá

Chamam-na "passion flower"
os saxões
não sei se por Cristo
ou porque ela é bonita mesmo
de se apaixonar

20 de junho de 2012

voodoo é pra jacú



Eu tinha tanto por dizer, mas preferi calar-me. Fechar as portas num silêncio ensurdecedor, num grito sufocante. Cheguei a ser frio, como se fosse civilizado. Porque o que eu tinha a dizer era inaudito. Não se poderia escutar; se se escutasse, não seria possível compreender; e se fosse comprreendido, não seria possível sentir. Um silêncio de abortos. Absurdo.

Não que eu não tentara. Esforcei-me, como podia. Esforcei-me até onde aguentava. Porque se passasse desse limite, já não seria Eu. Não que eu saiba quem sou e muito menos os meus limite: o que eu tenho é uma vaga ideia de ambos, embora mantenha-me, na maioria do tempo, num ponto médio – porque se o ultrapasso não posso prever as consequências. Todavia, eu tentei. Abri mão, em partes, do meu egoísmo. Não poderia abrir mão de todo, pois aí já não seria Eu. Não que eu não me importasse com os interesses alheios ou os desprezasse: só não poderia abrir mão dos meus, deixar de me preocupar com eles. Abri mão de alguns, como ver os amigos com mais frequência, abri mão dos interesses econômicos, projetos futuros que só a mim diziam respeito, leituras no tempo livre, finais de semana, excesso de álcool e até um pouco de tabaco. Sem contar a ironia, o humor ácido (por vezes grosseiro) e o cinismo. Abri mão de ouvir "não" para só responder "sim". Abri mão de um futuro que só me dizia respeito para um futuro que envolvia mais alguém, para um futuro que exigia renúncias no presente. Dispus-me; despi-me. Estava aberto à diferença, sabendo que não seria perfeito – como a vida não é. Sabendo que haveria ranhuras e fissuras, como uma pedra a polir  (sim, nunca sairemos da “pedra lascada”). Apenas uma coisa, um detalhe, já anunciado de forma sutil, fazia toda a diferença. Uma forma de ser ao qual nunca me propus, jamais. Uma forma à qual eu não podia existir. Uma roupa que eu não podia vestir: o pijama de um morto.

Não... Ela estava menos disposta ao novo do que a um substituto para o velho. Um ideal, um ponto de referência que ninguém, a não ser Ele, poderia alcançar. Ela queria esquecer, não descobrir. Não poderia, eu, outrar-me tanto. Senão eu não seria Eu, mesmo que não soubesse quem fosse. Mesmo que não fosse Um; ou Nenhum; ou Cem Mil. Todavia foi bom: morreu o resquício de romantismo que havia em mim, aquele pueril restolho de inocência. Fico com a fantasia, o fetiche, o absurdo. Mas que seja meu! Porque é absurdo para vocês; mas para mim, para minha vida, minha experiência e minha his[e]stória fazem sentido, ouviram? Vocês ouviram? De fato ouviram?

Pouco me importa...

"This is the end, my only friend, the end."

30 de maio de 2012

pindorama



"Quando eu estava aqui, eu queria estar lá. Quando eu estava lá, só pensava em voltar para a selva."

Não há meio do caminho. Tudo é desfiladeiro. Tudo desfila, pega fila e enfileira. A vida no meio da rua. A rua que corta essa terra-grande, esse pindorama cabralino mal catequizado.
 
Atravesso a rua antes do sinal abrir. Tenho pressa. Tenho sede. A fonte não secou, bem sei, mesmo que não saiba onde ela está e nem tenha certeza do que de lá possa sair. Néctar da juventude ou monstro das profundezas? Tenho pressa. Quero atravessar a rua como a cobra-grande quis atravessar essa terra de papagaios e outros bichos estranhos, para desposar sua prometida. Cruzo com sapos e lampréias, uma infinidade deles -- seres das profundezas. Náuseas. Vez ou outra, alguns pássaros e borboletas, que me fazem cores. O horror da realidade.

Estratégia ou covardia, conforto ou lucidez. Não posso optar até que tenha fim. É tudo um risco, que eu, arisco, arrisco, sem muito pensar. Como bicho do mato e bicho da terra, cujo sonho é ter asas que a natureza não deu, mas sedento de fogo e de ar, lanço-me ao desconhecido. Queria poder fotografar e colher souvenirs coloridos, como um turista a passeio. Por resistir à possibilidade, estaria já eu já a realizando -- por negação? Será que larguei meus cadernos de engenharia, sonhando em ser rei e sendo, sem que o fosse, no país da abnegação?

Ou, talvez, seja um eterno retorno? Retorno do reprimido, recalque do provinciano e colonizado, ou antes, exotismo e fetiche do neurótico que levando ao extremo sua fantasia, dissolve toda a realidade a ponto de não restar nada além do seu próprio Eu, disperso num mundo fragmentado? Sem realidade e sem culpa? Não: somos todos culpados.

Ahhhhh! Façamos festa antes que façamos a guerra! Retalhos de pano coloridos são mais belos que corpos e almas retalhados!

Devoremos. Antes que sejamos devorados!

15 de março de 2012

bricolage sur la barge


ce n´est pas
un visage
ce n´est pas
une chanson

ce n´est pas
une voyage

tout bricolage
le courir de la barge

7 de fevereiro de 2012

querência

Uns não podem
Outros não devem
Uns não sabem
Outros se atrevem

25 de janeiro de 2012

eternel et muet ainsi que la matière


Não será belo senão aquilo que sugere a existência de uma ordem ideal, supraterrestre, harmoniosa, lógica, mas que ao mesmo tempo possui -- como tara de um pecado original -- a gota de veneno, a ponta da incoerência, o grão de areia que perturba o sistema. Ou então, inversamente, será bela toda borra ou todo veneno que uma ínfima gota ideal venha iluminar. Assim, o belo, existindo tão-somente em função do que se destrói e do que sse regenera, mostrar-se-á ora como calmaria devorada pela tempestade em potencial, ora como frenesi que se ordena e tenta conter sob uma máscara impassível sua tormenta interior.

Michel Leiris,
in "Espelho de Tauromaquia"

20 de janeiro de 2012

18 de janeiro de 2012

flamboyant


Flamboyant
é uma palavra bonita
que me lembra algo assim
como um pôr do sol vermelho,
num horizonte vermelho,
de um passado azul
e distante...

o entardecer de um sábado morto,
uma paixão de verão.

o dizer e o pesar

Dispensa
Não diz
Pe(n)sa

17 de janeiro de 2012

le gauche


curva, s.f.

1 - limiar entre a terra e o céu;
2 - sinuosidade entre a neblina e o sol;
3 - caminho torto que molha o hoje;
4 - o equivalente da sombra.

le droite


reta, s.f.

1 - o aquém do desfiladeiro;
2 - o além do desfiladeiro;
3 - o ninguém do desfiladeiro;
4 - o antes, o depois, o mundo inteiro.