30 de maio de 2012

pindorama



"Quando eu estava aqui, eu queria estar lá. Quando eu estava lá, só pensava em voltar para a selva."

Não há meio do caminho. Tudo é desfiladeiro. Tudo desfila, pega fila e enfileira. A vida no meio da rua. A rua que corta essa terra-grande, esse pindorama cabralino mal catequizado.
 
Atravesso a rua antes do sinal abrir. Tenho pressa. Tenho sede. A fonte não secou, bem sei, mesmo que não saiba onde ela está e nem tenha certeza do que de lá possa sair. Néctar da juventude ou monstro das profundezas? Tenho pressa. Quero atravessar a rua como a cobra-grande quis atravessar essa terra de papagaios e outros bichos estranhos, para desposar sua prometida. Cruzo com sapos e lampréias, uma infinidade deles -- seres das profundezas. Náuseas. Vez ou outra, alguns pássaros e borboletas, que me fazem cores. O horror da realidade.

Estratégia ou covardia, conforto ou lucidez. Não posso optar até que tenha fim. É tudo um risco, que eu, arisco, arrisco, sem muito pensar. Como bicho do mato e bicho da terra, cujo sonho é ter asas que a natureza não deu, mas sedento de fogo e de ar, lanço-me ao desconhecido. Queria poder fotografar e colher souvenirs coloridos, como um turista a passeio. Por resistir à possibilidade, estaria já eu já a realizando -- por negação? Será que larguei meus cadernos de engenharia, sonhando em ser rei e sendo, sem que o fosse, no país da abnegação?

Ou, talvez, seja um eterno retorno? Retorno do reprimido, recalque do provinciano e colonizado, ou antes, exotismo e fetiche do neurótico que levando ao extremo sua fantasia, dissolve toda a realidade a ponto de não restar nada além do seu próprio Eu, disperso num mundo fragmentado? Sem realidade e sem culpa? Não: somos todos culpados.

Ahhhhh! Façamos festa antes que façamos a guerra! Retalhos de pano coloridos são mais belos que corpos e almas retalhados!

Devoremos. Antes que sejamos devorados!