13 de outubro de 2010

Viajar, verter, sentir: existir-se...


Périplo esgotante, de duas horas – talvez um pouco mais – de caminhada na madrugada de domingo. O cinema, falhou; os amigos, antes e depois, marcaram ausência; só lhe restava então andar. Do Diammond Mall até a Raul Soares. Encontrou um velho conhecido, no segundo acaso do mês, e tomaram uma cerveja no entre-prosas do back. Subiu da Bias Fortes até a Savassi. Desânimo nonada. Resolveu então subir mais. Getúlio Vargas, Contorno, Afonso Pena. Isso mesmo, sem desvio. Praça da Bandeira. Pra baixo, literalmente, até a Rodoviária. Dez quilômetros, disse o oráculo.

Na caminhada se deu conta de que realmente era ressentido, perfeccionista, exagerado e inseguro. Tinha dificuldades em se impor limites – ou seria tentação em testá-los? Nas relações sociais, nunca sabia a medida exata das coisas. Não era bom em proporções, apesar do gosto pela simetria. O certo, o normal, o razoável, o equilíbrio, a média, o medíocre – buscava sempre fugir deles, mesmo quando se tornavam necessários e até elogiáveis. Era um homem do tudo ou nada, nas duas mãos. Se lhe ocorria abrir uma ponte para alguém, e atravessavam, tratava-os como gostaria que fosse tratado. Não só no conteúdo (esse era o de menos: pensar em equivalência não passava de uma abstração, uma ilusão), mas também na forma. Reciprocidade sim, isso era forma. Tudo dependia da entonação da frase, das palavras escolhidas. O modo com que se pede, com que se dá. Logo, chegou à conclusão de que haviam duas escolhas: ou tornava-se uma bolinha de ping-pong desse jogo da hipocrisia social – a maneira dos modos à mesa – ou voltava para o seu mundinho particular, sua caverna, em que os outros são apenas detalhes, sombras, figurantes, figurinhas.

_ “Cês dançam rock?” – Eles perguntaram.

_ “Não.” – Pausa. “A gente dança mosh.” – Alguém respondeu, num tom sarcástico.

_ Vamo dançá então aí depois então... eh he...

E o sorriso velhaco esboçou o que estava por vir. Ah... o porvir!

Não conseguia acertar contas com seu passado. O presente era povoado de fantasmas dos caminhos não tomados. As assombrações o espantavam com o sussurro de que o des-caminho – que só existiu em potência – não caminhado era melhor. Melhor, melhor, melhor! Por que temos tanto que hierarquizar? Ou “melhor” não seria tão vertical assim? Ou é preciso que haja alguns "mellhores"? Perguntas que não espantavam fantasmas, ele reclamou, acendendo outro cigarro. Seu espírito de perfeição desassossegava-se, inquietava-se, vivia perturbado por não ter feito a escolha, senão perfeita, a melhor no momento. E o que diabos é melhor, meu Deus? Melhor pra quê, pra quem? Não é possível que podia ser tantos! Quanto mais pensava, mais caminhava obstinadamente, como se fosse encontrar a resposta ao final do caminho. Mas havia um fim? Enquanto isso, transbordava, vertia pensamentos em fumaça, suor e angústia sufocantes – válvulas de escape pra não enlouquecer ou sintomas da loucura? O passado repercutia em sua cabeça, feito o demônio. Fatos recentes mostravam que quando deveria ter arriscado ofender, não o fez – o que fez dele um covarde, conformado. De outras vezes, quando era óbvio que não, ele o fez. Logo, em consequência, foi indelicado, desarrazoado e gerou constrangimento. O desatino de sempre abrir uma fissura na realidade lisa ou uma linha reta no caos. O sim e o não – enquanto ou porque ou como –, pólos de uma ação grosseiramente binária, são materializadores de fantasmas.

Perversos.

Palhaço.

Mas amanhã, amanhã sim, será o grande dia! -- Pensou. O dia da efetuação dos planos infinitamente traçados; inconcluíveis. Planos fracassados de antemão.

É preciso abrir brechas, fazer ranhuras, construir pontes e arranhar sofás!

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