11 de agosto de 2009

benditos os que não confiam a vida a ninguém


Uma vida sem esperança mas sem desespero. Não se pode esperar muito das pessoas. Não se deve esperar nada delas. Seria injusto para com elas; e frustrante para com nós mesmos. Se nem eles mesmos têm ciência do que estão fazendo, por que pedir para as crianças  pagarem a conta?

Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem.
Lucas 23,34

3 comentários:

Iago Pereira disse...

Queria dissecar isso direito. Eu concordo que não devemos esperar nada das pessoas, mas acredito que podemos fazê-lo. Porque não? É uma coisa bastante enraizada em nossas cabeças, a reciprocidade - o dom. Há sociedade sem a dádiva?
Porque seria injusto com as pessoas, criar expectativas? Não acho que é injusto (aliás, sob que critério especificamente?) Quer dizer - desde que você não parta do princípio que sua expectativa - sua fantasia - é uma realidade objetivamente apreensível aos outros, é perfeitamente justo que você decida o que quer.
A possibilidade de frustração cai MUITO quando comunicamos abertamente e diretamente e sinceramente as expectativas. E disperdiçamos tanta energia no jogo de "o que será que ele espera de mim?"...

Você está comunicando suas fantasias/expectativas?

Sim, eles, as pessoas, tem ciência do que fazem - sob seus próprios critérios e valores. Porra. Porque não? Você parece ter ciência do que faz. Mas discordo de vc. Acho que uma coisa não impede da outra. Discordar e levar a sério.

E no fim... ainda conjura o julgamento de deus. "Pai". Cê assistiu dogville? Se viu, lembra da crítica ao martírio? Eu assinaria embaixo. Você se sente melhor porque se percebe injustiçado. Chuto que toda vez que vc se sente inseguro vc produz uma injustiça contra si mesmo. Posso estar errado, mas não creio que isso demova o resto do que disse de valor.

Meus amigos diriam: "O mundo é injusto. Get over it". Talvez seja um jeito mais saudável de lidar com a coisa toda.

Quanto a seu post, meus amigos diriam: mimimi. Eu não tenho intimidade pra te satirizar assim, mas talvez fosse o ideal. Então fica aí, na boca deles.

abraços!

Iago

Unknown disse...

coisas que eu achei tipo, por aí:

"(...)E como posso ser o teu amado se não me conheces, se sou apenas alguém que te veio pedir ajuda e de quem tiveste pena, pena das minhas dores e da minha ignorância, Por isso te amo, porque te ajudei e te ensinei, mas tu a mim é que não poderás amar-me, pois não me ensinaste nem ajudaste, Não tens nenhuma ferida, Encontrá-la-ás, se a procurares(...)"

(SARAMAGO, O Evangelho Segundo Jesus Cristo)
ASSOPRADO POR LEPAPILLON, no dia 11/07, às 19:25.


esse aqui também é bacana: http://desmotsinsenses.blogspot.com/2009/07/eis-o-misterio-da-fe.html.

pra terminar, talvez eu esteja repetindo o Iago, ou me repetindo mesmo, mas tenhho que te lembrar que o Pierrot é quem menos se diverte na história toda. Espero estar ajudando, e não o contrário.

Beijos!

lepapillon disse...

Também acredito que, apesar de não devermos esperar nada das pessoas, podemos fazê-lo, desde que aceitemos os riscos. A dádiva, como você sabe, envolve a obrigação de dar, receber e retribuir. É um ciclo. Uma vez iniciada a relação, nunca termina. Pode mudar de status, sim, mas é sempre retro-alimentada. A particularidade do mundo ocidental é que tendemos a pensar a relação mais tendo o término como referência do que a relação em si. Nesse modo de pensar, relaciona-se com vistas a um fim. Uma vez terminado, acabou. É o famoso individualismo, o “eu não devo nada a ninguém”. Fiz isso para obter aquilo e estamos quites. Cada um para seu lado. Em certo sentido, é a ideologia do “Foda-se”. Enquanto que a dádiva não acaba nunca. Pelo contrário, a suposta “finalidade” é apenas um meio de ensejar a relação. O que importa é relação, não os termos, o término. Talvez não haja sociedade sem dádiva, mas o nosso mundo parece se afastar dela.

É mesmo difícil não criar expectativas a respeito do mundo, da vida e das pessoas. Quando digo que é injusto para com elas é porque, partindo do princípio de que elas estão inseridas na moral individualista e não sentem a obrigação da dádiva (foda-se, não devo nada a ninguém), seria no mínimo desrespeitoso admoestá-las por não retribuirem o que não viam como obrigatório fazê-lo. Elas não operam nessa lógica, e por que recriminá-las por não fazerem o que pra elas não era prescrito, o que pra elas não fazia sentido? Contudo, no final das contas o jogo não é tão polarizado assim. Existem certas regras tácitas, umas mais e outras menos, e talvez pecamos por não esclarecê-las. Todavia não se pode falar tudo sobre tudo, conferir cada detalhe, fazer accontability de everything, explicitar todos os desejos, esperanças e volições; mesmo porque alguns são extremamente voláteis. Simplesmente aproximamo-nos de um modus vivendi geral de conduta.

Sobre a pergunta mais pessoal, talvez eu não seja tão claro quanto deveria. Mesmo porque sou confuso quanto a muita coisa.

Sim, as pessoas têm ciência do que fazem de acordo com seus próprios critérios, valores e leis de causa e efeito. E são tão seguras da validade desses critérios e valores, tão certos das suas decisões e das conseqüências delas, que quando algo sai errado muitas perguntam: “porra, como pôde dar errado?”, “mas eu sinto muito, eu não esperava que fosse acontecer isso”. As pessoas são seguras demais, certas demais dos seus atos, e das conseqüências, diretas e indiretas, deles. No final, a meu ver, se fossem mais hesitantes seriam menos inconseqüentes e mais honestas. O mundo é seguro demais meu deus! Não me venham com mais certezas!

No fim, conjurei mesmo. Precisava exorcisar certos demônios que me atormentavam.
Assisti Dogville mas não lembro com detalhes do final. Concordo em partes com sua crítica. Ao assumir certa condescendência, um tom arrogantemente benevolente perante a injustiça, me faz sentir melhor em certos casos. É uma forma (talvez mesquinha) de suportar a injustiça, porque não a aceitamos como natural no mundo, e invocamos sub-repticamente uma reparação posterior – e então nos sentimos numa posição mais privilegiada. Resquícios de uma formação católica. Isso não acontece quando me sinto inseguro. Nesse caso, sou muito crítico e severo comigo mesmo. Talvez aí sim, nesse sentido, seja injusto. Mas então o subterfúgio anterior não funciona.

Tenho minhas ressalvas quanto a ética da superação, se é isso mesmo que o “Get it over” quer dizer. Mas essa merda já está muito grande.

Fique à vontade para satirizar. Intimidade se cria, e considero a sua opinião. Quanto ao “mimimi”, bem, acho válido, mas arrogantemente cor-de-rosa e muito Savassi. Posso estar enganado. Expressões que também funcionam nesse sentido, também arrogantes mas que colocam brilhantemente fim no lenga-lenga, blá-blá-blá e chorôrô, entretanto mais incisivas e escrachadas, são o “conversa com meu pau” ou então “[predicado] de cu é rola”.

Um abraço!

Henri